A Grécia não reformou a previdência. Hoje, sua população está quase 50% mais pobre

Embora reformar a Previdência Social brasileira seja urgente e essencial para a estabilização das contas públicas e manutenção das despesas sociais do país, ainda há quem negligencie sua necessidade no debate público nacional.

Porém, como dizia o escritor inglês Aldous Huxley, fatos não deixam de existir apenas por serem ignorados. Entender as consequências dramáticas às quais pode levar a constante irresponsabilidade fiscal, como as ocorridas na Grécia, é uma boa forma de atentar para os riscos de continuar a omitir-se perante a questão previdenciária.

Entre 1996 e 2006, a economia grega cresceu em ritmo mais acelerado que a média dos países que integravam a Zona Euro. Junto com o crescimento econômico, contudo, cresceu também o gasto público. De país desenvolvido e com IDH elevado, as coisas começaram a ruir quando o descontrole sobre a despesa pública atingiu níveis insustentáveis.

Parafraseando a ex-premiê britânica Margaret Thatcher, “o problema é que, em algum momento, o dinheiro dos outros acaba”. A confiança na capacidade do governo grego em honrar com seus compromissos foi posta em cheque.

A despeito de a crise grega ser multifatorial — a enorme dívida pública, a baixa competitividade, um sistema educacional com baixo desempenho, além de corrupção —, a despesa previdenciária desempenhou um papel central no problema fiscal; entre todos, o principal. Não foi coincidência o país helênico tornar-se símbolo das consequências de um alto endividamento público.

Pressão do funcionalismo

A crise na Grécia teve, sobretudo, um fator interno: descontrole de despesas orçamentárias.

Isso não foi obra do acaso, mas um resultado do trabalho de omissão das autoridades juntamente a grupos de pressão gregos bem organizados, que, liderados pelo funcionalismo público, resistiram por décadas a qualquer tipo de austeridade.

Desde 1971 o país não conseguia fechar um superávit primário (despesa do governo inferior ao que ele arrecada em impostos).

O déficit orçamentário chegou a 13,6% do, PIB sendo que apenas os gastos com previdência representavam 17,4% do Produto Interno Bruto (PIB) e consumiam 31,5% do total de despesas do governo.

Boa parte disso servia para custear generosos benefícios a aposentados e pensionistas: havia registros de quem recebesse pensão por velhice aos 27 anos.

Quando o país finalmente quebrou, em abril de 2009, a dívida cresceu e chegou a 188,7% do PIB. Isso gerou oito anos seguidos de recessão, fazendo com que o PIB e a renda média dos gregos caíssem para quase metade dos índices pré-crise:
de 31.997 dólares em 2008, caiu para 17.881 dólares em 2016. Para efeito de comparação, a renda per capita brasileira em 2017 era de 9.821 dólares. A taxa de desemprego atingiu cerca de um terço da população economicamente ativa.

Os jovens, no entanto, foram os mais afetados, com 60% deles amargando o índice de desocupados. Houve a chamada “fuga de cérebros”, com jovens talentosos e bem qualificados migrando para outros países, incluindo milhares de médicos.

Pior que 1929

Os efeitos disso, tanto em relação à longevidade quanto aos danos, foram superiores à grande depressão americana de 1929. E no cerne de toda a questão esteve a incapacidade de lidar com a questão previdenciária que, tal como é no Brasil, era a raiz do problema fiscal.

Não fossem três socorros financeiros internacionais recebidos pelo país, os impactos sentidos pela população seriam ainda maiores. Com toda a problemática, o país esteve perto de sair da Zona do Euro.

Mesmo assim, a população grega resistiu ao ajuste. Foram dezenas de protestos a cada medida pretendida pelo governo. Não à toa, elegeu o partido de esquerda Syriza, com um discurso historicamente contrário a quaisquer reformas.

No poder, longe da ficção da narrativa e perante a realidade fiscal, o primeiro-ministro Alexis Tsipras foi obrigado a liderar a reforma, contrariando sua postura combativa a medidas pró-austeridade dos anos anteriores.

Diante da situação caótica a que chegaram os gregos, reformas ocorreram sem que houvesse tempo hábil para muito debate. Foram cortados, inclusive, “direitos adquiridos”, com alguns beneficiários da previdência passando a receber até 40% a menos.

Como todo conjunto de direitos positivos (obrigações prestadas pelo Estado), vale salientar, tratavam-se de uma promessa fictícia: afinal, para que sejam efetivamente concretizados, é preciso que sejam custeados. Diante da impossibilidade de pagá-los, não houve saída para o governo que não sua flexibilização.

Após quase três anos após as reformas mais duras feitas pelo governo grego, as agências de classificação de risco, que avaliam a capacidade do país de honrar com suas dívidas, melhoraram substancialmente suas análises sobre o país.

Mesmo a situação ainda sendo bastante delicada, com o rating classificado como “lixo”, a melhora no índice foi responsável pela diminuição dos juros, bem como diversas outras progressões macroeconômicas, como o país voltando a crescer.

Todavia, vale salientar que ainda há reformas fiscais a serem feitas no Estado grego, e que há enorme preocupação com seu atraso. Em outras palavras, as reformas começaram a surtir efeitos, mas os helênicos ainda flertam com o perigo da irresponsabilidade fiscal.

Grécia do futuro

Em alguns fatores o Brasil se destaca negativamente quando comparado à república helênica. Mesmo antes da crise, por exemplo, a previdência grega tinha, em geral, regras menos acessíveis para os principais benefícios que as vigentes no sistema brasileiro.

Pela métrica da OCDE, o percentual da despesa previdenciária em relação ao PIB do Brasil, que seria de 11,1% em 2015, já se aproxima do observado na Grécia no começo da crise, equivalente a 12,4% em 2009.

Entretanto, a representação da previdência no nosso orçamento governamental chega aos quase 60%, enquanto a grega registrava aproximadamente um terço. Vale ressaltar ainda que a renda per capita brasileira é muito inferior à grega.

Por fim, o Brasil possui indicadores de risco mais elevados do que os da Grécia pré-crise. Levar a irresponsabilidade para com as contas públicas às últimas consequências, adiando um ajuste, deve ser evitado ao máximo pelo governo brasileiro, dada a iminência de um verdadeiro colapso econômico.

A população não ficará imune a ele, caso ocorra, mormente os mais pobres. Caso contrário, como afirma o consultor legislativo do Senado Federal e colunista da Gazeta do Povo, Pedro Nery, o Brasil “virar uma Grécia” nos próximos anos seria, ironicamente, um cenário otimista.

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