Fome obriga mães a darem os próprios filhos na Venezuela

Aos seis meses de gravidez, uma venezuelana se mostra decidida: vai dar o bebê que carrega no ventre quando ele nascer.

Ela não é a única a recorrer a esse caminho em meio à crise que assola o país – e que tem deixado cada vez mais gente com fome e sem condição de alimentar os próprios filhos.

No poder desde 1999, o grupo de Hugo Chávez – morto em 2013 e substituído no poder por Nicolás Maduro em uma eleição realizada no mesmo ano – adotou medidas econômicas que levaram o país à escassez de alimentos, à hiperinflação e ao colapso dos serviços públicos.

As críticas internacionais ao chavismo na região esbarraram, muitas vezes, no apoio de governos alinhados ao projeto – como setores do próprio PT, no Brasil, que ainda manifestam apoio ao governo de Maduro, mesmo que seu candidato à Presidência, Fernando Haddad, tente se distanciar da questão.

O país, que já foi um dos mais ricos da América Latina e chegava a distribuir empréstimos e doações na região, enfrenta hoje uma crise sem precedentes.

Com a queda, alguns anos atrás, no valor da cotação do petróleo, que responde por 95% das exportações venezuelanas, o país viu secar sua principal fonte de renda.

Ainda que os preços tenham se recuperado parcialmente no mercado internacional, a falta de modernização do setor tornou extrair petróleo uma operação menos lucrativa.

Dados oficiais mostram que 87% da população do país vive em situação de pobreza, contra 48% em 2014.

A taxa de inflação, estimada em 1.000.000% até o final do ano, tem piorado ainda mais o cenário. Em 2017, os venezuelanos perderam 11 kg em média por causa da fome.

Como resultado, cada vez mais crianças têm ido parar nas ruas e cada vez mais mulheres se veem forçadas a entregar seus filhos às autoridades ou a famílias em melhores condições financeiras – um efeito devastador da crise sobre a futura geração.

“Eu expliquei aos meus filhos que não queria abandoná-los”, diz outra mulher à BBC News. “Mas não tenho como sustentá-los.”

A mulher tem cinco filhos e há três anos entregou três deles às autoridades. Ela diz que “um dia” vai tentar recuperá-los.

Histórias semelhantes de separação entre mães e filhos em função da crise surgem nas favelas venezuelanas.

Judith entregou sua filha logo após o nascimento. E chora quando relembra a história. “Eu pensei que, fazendo isso, conseguiria alimentar meus outros filhos e que minha bebê teria um futuro melhor”, diz ela, emocionada. “Me sinto arrasada por não tê-la comigo”.

A busca por comida, inclusive no lixo, tem se tornado uma visão comum no país. Com a pobreza crescente, também virou comum a imagem de crianças vivendo nas ruas.

“Tinha comida às vezes lá em casa, mas não suficiente. Éramos muitos”, diz um menino em um grupo com outros jovens.

Um adolescente sentado ao lado dele também revela traços de uma vida difícil. “Saí de casa porque minha mãe me maltratava”, conta. “Me cansei disso, mas também pensei nos meus irmãos. Queria deixar a comida para eles”.

Apesar das dificuldades, o primeiro menino demonstra esperança em dias melhores. “Eu sei que um dia vou estudar e, quando eu crescer, vou ajudar a quem precisa, porque eu sei o que é depender de ajuda”.

A figura paterna era ausente na maior parte das famílias que conversaram com a reportagem.

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