Um dos artifícios usados pelos investigados na Operação Pão Nosso que mais chamou a atenção da Receita Federal foi o uso, pela primeira vez, de bitcoins nas operações fraudulentas alvo da Lava-Jato. O uso de moedas virtuais “é realmente uma novidade”, segundo um superintendente-adjunto da 7ª Região Fiscal da Receita Federal, Luiz Henrique Casemiro, em entrevista coletiva nesta terça-feira (13/3).
“Palavras como doleiros, contratos com governo, laranja e lavagem de dinheiro são comuns nessa operação. O que nos chamou a atenção com relação a essa operação é que pela primeira vez aparecem operações envolvendo bitcoin”, afirmou Casemiro.
No desdobramento da Operação Lava-Jato no Rio, o Ministério Público Federal (MPF), a Polícia Federal (PF), a Receita Federal e o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro apuram crimes de corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro em contratos da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro (SEAP). Sete pessoas foram presas pela força-tarefa.Foram expedidos 14 mandados de prisão preventiva, 10 de prisão temporária e 28 de busca e apreensão.
Segundo Luiz Henrique Casemiro, a percepção é de que os responsáveis pelo esquema fizeram “um teste para driblar os órgãos públicos de controle financeiro”. Foram quatro operações, segundo ele, totalizando R$ 300 mil em moeda virtual. Segundo as investigações, os suspeitos teriam desviado, pelo menos, R$ 73 milhões dos cofres públicos com um esquema de superfaturamento e fraude no fornecimento de pão para os presos das cadeias estaduais.
A percepção dos investigadores é de que o uso de criptomoedas foi um recurso visto pelos criminosos como mais fácil para receber dinheiro do exterior, já que as moedas virtuais não são reguladas na maioria dos países.
Propina liderada por Sérgio Cabral
De acordo com o MPF, as investigações foram iniciadas a partir de indícios de irregularidades no Pão-Escola. O projeto, que tinha por objetivo a ressocialização de presos, se tornou em mais uma fonte de propina liderada pelo ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral, que, segundo as autoridades, será denunciado mais uma vez. Em nota, a defesa de Sérgio Cabral afirmou que o ex-governador nega todas as acusações e desconhece as irregularidades apontadas na investigação, seja na Seap ou em qualquer secretaria do governo à época.
A Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) contratava, segundo os investigadores, uma organização sem fins lucrativos que controlava um projeto de padaria para incentivar os presos que quisessem trabalhar e conseguir redução de um dia de pena a cada três dias ocupados.
A empresa Induspan, do empresário Felipe Paiva, foi inicialmente contratada para executar o projeto, mas o contrato foi rescindido porque havia desequilíbrio financeiro, “já que o estado fornecia os insumos necessários para a produção dos pães, enquanto os presos forneciam a mão de obra, com custo baixíssimo para a empresa, que fornecia lanches para a SEAP a preços acima do valor de mercado”, de acordo com o MPF.
Felipe Paiva criou, após a rescisão do contrato, a OSCIP Iniciativa Primus, com a ajuda de laranjas. A nova empresa sucedeu a Induspan no fornecimento de lanches em presídios do Rio. Uma inspeção do Tribunal de Contas do Estado, no entanto, identificou que o esquema prosseguiu. “Mesmo com a identificação das irregularidades, o ex-secretario de Administração Penitenciária César Rubens de Carvalho autorizou prorrogações de contrato com a Iniciativa Primus”, explicou o órgão. Estima-se que o dano causado à SEAP seja de R$ 23,4 milhões.
A Iniciativa Primus foi usada, segundo a Lava-Jato, em diversas transações de lavagem de dinheiro. A estimativa é de que, por intermédio de uma complexa rede de empresas, foram celebrados contratos fictícios de prestação de serviços, que permitiram a Felipe Paiva lavar ao menos R$ 73,5 milhões. “O principal doleiro de Paiva era Sérgio Roberto Pinto da Silva, preso na operação Farol da Colina, da força tarefa CC5 do Banestado”, afirmou o Ministério Público.
Patrimônio de ex-secretário aumentou 10 vezes
Preso hoje, o ex-secretário estadual de Administração Penitenciária (Seap) e coronel da Polícia Militar Cesar Rubens Monteiro de Carvalho teve o patrimônio aumentado ao menos 10 vezes, segundo o MPF. Segundo um dos operadores financeiros de Sérgio Cabral, em colaboração premiada, parte da propina recebida na Seap era repassada a Cabral. “Para receber a propina, César Rubens utilizava duas empresas das quais era sócio, a Intermundos Câmbio e Turismo e a Precisão Indústria e Comércio de Mármores”, indicou a investigação.