Médico descreve consulta em que encontrou “Deus” em paciente com câncer

Em publicação no Facebook , João Carlos Resende, médico do Hospital do Câncer de Barretos,  contou sobre uma consulta com Dona Socorro, uma paciente com câncer que esteve em retorno com ele

Semana curta e cansativa, coração agitado, mente num turbilhão. Deus hoje resolveu me visitar. Ele tinha um corpo franzino, rosto marcado pelo sol, mãos com sutil aspereza de quem trabalhou pesado a vida toda e um cheiro de lavanda misturado com as cinzas de um fogão de lenha.

Ele falava de um jeito bonito e simples, arrastado e vindo lá do Goiás. Vestia a melhor roupa que tinha, colorida, bem cuidada, mas respingada da sopa que serviram antes da consulta. O sapato de algodão listrado não combinava com a blusa florida… ah, mas Ele era Deus e podia tudo. Seus olhos fugiam dos meus. Como podia Deus se fazer pequeno assim? Logo lembrei que Ele sabe muito bem fazer isso.

Lembrei que Ele foi homem, é pão e será sempre grande, pequeno Deus. Parecia envergonhado, ansioso pela notícia, infelizmente não tão boa. Estava cansado da viagem, da sala de espera lotada e de anos de luta contra o câncer.

Diante da grandeza à minha frente, aumentei minha pequenez para que pudesse caber na menor brecha que ousei adentrar naquela vida. A doença mudou, progrediu e voltou a judiar. Aquele remédio que tanto cansava e nauseava aqueles poucos quilos tão frágeis se faria necessário mais uma vez.

“Mas, Dotô. Não diga isso.”

Seu rosto se entristeceu e quanto me doeu ver Deus sendo gente ali diante de mim.

“D. Socorro, não fica triste. O doutor aqui tem coração mole e pode chorar.”

Olhou para mim e pude ver o brilho dos olhos sábios dizendo: “Vou chorar em casa, para o senhor não olhar.”

Como aquilo me engrandecia. Como pode Deus me visitar assim. Ali acabou meu cansaço. Ali só coube emoção. Examinei aquele corpo pequeno. Coração forte e barulhento, pulmões que sopraram em mim o sopro da vida e contemplei o mais belo sorriso com as cócegas geradas ao palpar seu abdome. Pensava comigo o quanto eu queria, com minha mão, retirar cada um daqueles tumores e ao mesmo tempo me emocionava porque, com aquela visita, Deus retirava cada um dos meus, não físicos. Minha prescrição seria o que menos importava ali, mas assim mesmo a fiz.

“D. Socorro, vou prescrever aquele remédio chatinho, mas para tentar controlar a doença da senhora.”

Humilde, respondeu: “É o jeito.”

No final de tudo, depois de eternos poucos minutos de graça, Deus olhou para mim e disse: “Dotô, o resto pode estar doente e não prestar, mas meu coração é grande e bom.” Ah, Deus! Que coração.

Já emocionado, apenas pedi um abraço e agradeci por tudo aquilo. Ganhei mais. Ganhei uma foto, um carinho no rosto e a certeza de que Deus sempre está comigo e sempre me visita de diversas formas. Hoje Ele me visitou, me curou e me deu força para continuar. Ironicamente, saiu daquela sala e falou: “Fica com Deus, Dotô.”

“Estive com Ele, D. Socorro.”

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