O provável golpe na História

O perigoso poder das narrativas

Muito cuidado com o futuro garçom da nossa história atual. Como um mero observador, eu temo que, neste exato momento, uma narrativa mesquinha venha sendo preparada para invadir os livros de História do futuro. Da narrativa do golpe contra Dilma Rousseff ao governo fascista de Bolsonaro cabem várias deformações da realidade. É preciso estar atento e desde já armazenar contraprovas para desmontá-los.

Certamente estarão de fora das narrativas: a impopularidade do governo Dilma e as péssimas articulações com o chamado centrão e a oposição, que aproveitaram a fragilidade e a crise para derrubá-la de seu governo já cambaleante. Estarão de fora também o troca troca de ministro da Fazenda que acentuava ainda mais a sua incapacidade como chefe de Estado para conter a crise; as manifestações do “Fora Dilma” espalhados Brasil afora que, muito provavelmente, será exposta como um mero esperneio da “elite branca” para fortalecer o golpe em curso contra uma presidente que representava o governo das minorias. Estarão de fora dessa narrativa os milhões de desempregados que se proliferavam no país.

Esses sinais evidentes de um governo que fracassava de dentro pra fora, não caberão nos livros didáticos, ou se couberem, poderão ser narrados de forma distorcida. Não é exagero se preocupar com tal evento futuro, pois, fatos similares foram ocultados ou mal explorados no que se refere aos últimos instantes do governo João Goulart, antes da tomada dos militares em 1964, por exemplo.

É muito mais fácil narrar que forças conservadoras atrapalharam um projeto de governo que iria resolver os males do campo e da cidade, como se não houvesse um mínimo risco qualquer do Brasil ruir frente as tais reformas de base e como se não houvesse certo descontentamento com o seu governo. Não se comenta, por exemplo, que a mídia também batia no governo Jango por vários motivos que fugia da questão ideológica, mas sim pelo seu governo desastroso mesmo.

Longe de mim cair na armadilha de defender o que se sucedeu após a tomada dos militares, ou ainda tomar partido do então recém nascido governo Bolsonaro. A questão não é essa. O alerta aqui é para que fiquemos atentos ao olhar tendencioso. É importante observar o que vai ser selecionado ao lixo e o que vai ser servido como prato principal.

Mas, o que pode vir adiante ? Não é tão difícil de se imaginar. Aliás, o “nós x eles” foi plantado justamente com a finalidade de se garantir narrativas equivocadas em um ponto futuro, e não por coincidência, iniciado e entoado no declínio do governo petista, onde os escândalos de corrupção da Era Lula e a má gestão do governo Dilma resultavam em um mal estar geral na população.

O “nós x eles” garante estórias um tanto quanto fantasiosas, como por exemplo, creditar os 57 milhões de votos a favor de Bolsonaro ao fenômeno patético de um “fascismo à brasileira”. Nossos filhos correm o risco de estudar o nosso momento atual por mais uma visão calcada apenas e tão somente nas lutas de classe.

Como se isso explicasse toda a reviravolta por qual passamos de uns anos pra cá. Caso isso ocorra, ficará de fora dos livros, por exemplo, a grande derrota do PT nas eleições para governadores, deputados e senadores no ano passado, isso sem mencionar episódios mais recentes que poderão servir para se criar heróis da resistência, como Jean Wyllys e Márcia Tiburi que, deixaram ás pressas um país dominado por “fascistas”.

E por falar em resistência, com certeza não fará parte dessa narrativa que o verdadeiro ato de resistência foi o da maioria dos brasileiros que, democraticamente, disseram não a mais um governo petista.

Diante disso, que fiquemos atentos a essa possível hegemonia de narrativas. Que o garçom da nossa história nos traga um cardápio variado para que possamos dar mais fidelidade ao nosso tempo em livros futuros.

DEIXE UM COMENTÁRIO