Projeto de lei de 2016 arquivado poderia ter evitado tragédia de Brumadinho

Avisos de especialistas, protestos e até pedido de suspensão de licença da Mina Córrego do Feijão, que poderiam ter evitado o desastre em Brumadinho, não tiveram a devida atenção. A área da barragem estava prestes a ter o trabalho de exploração intensificado

O rompimento da barragem de Fundão, da Samarco, em Mariana (MG), há três anos, levou o Congresso a repetir uma velha fórmula de reação atragédias . Instalou comissões sobre o assunto, levou parlamentares ao local, propôs alterações legislativas. Um dos principais caminhos apontados por senadores envolvidos com o tema para evitar novos desastres, porém, também repetiu o que costuma ocorrer nos anos seguintes à comoção: não andou.

Elaborado pela Comissão Temporária da Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), criada depois da tragédia de Mariana, o projeto de lei que aperfeiçoa a lei sobre os rejeitos e endurece as sanções a infratores foi para o arquivo, sem votação, com o fim da última legislatura.

O projeto previa mudanças nas definições dos termos barragem e empreendedor e acrescenta o detalhamento do que é considerado acidente e desastre. Para os senadores que participaram da comissão, essas alterações são fundamentais para evitar brechas que livrem as donas das barragens da responsabilidade por eventuais tragédias. Eles defendem que a punição também garantirá mais compromisso dos empreendedores em medidas para que novos rompimentos não ocorram.

Criada pela Lei 12.334/2010, a Política Nacional de Segurança de Barragens prevê obrigações aos empreendedores, como “prover os recursos necessários à garantia da segurança da barragem”, manter os órgãos de fiscalização atualizados sobre mudanças nas barragens, permitir o acesso irrestrito aos fiscais ao local, entre outros. A proposta previa também mais obrigações, como a de contratar seguro ou apresentar garantia financeira para a cobertura de danos a terceiros e ao meio ambiente em caso de acidente ou desastre.

A proposta tramitava na Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) desde maio de 2016. Foi incluída na pauta do colegiado algumas vezes, mas nunca votada. Se aprovada pelos seus integrantes, iria direto para análise da Câmara.

– Nosso relatório aponta que temos uma série de tragédias anunciadas e todas muito concentradas em Minas e Pará, que têm grande volume de atividade. Infelizmente, a análise do nosso projeto não andou. Sequer a CMA aprovou. Cansei de pedir. Quando houve o acidente em Mariana, fizemos imenso trabalho. Agora, acontece outro acidente? Não é possível – diz o relator da comissão sobre a PNSB e autor da proposta, senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), cujo mandato se encerra este mês.

Na proposta, também havia a previsão de que infrações administrativas – com o descumprimento das obrigações previstas na lei – gerariam advertência, multa, embargo e demolição da obra. No relatório apresentado na CMA, o senador Jorge Viana (PT-AC), que também termina o mandato no fim do mês, propunha como valor mínimo da multa R$ 1 mil e máximo, R$ 50 milhões.

– É um setor que faz autogestão da segurança. Porque a União, que deveria fazer essa fiscalização, não faz. À época, constatamos que o Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), hoje transformado em Agência Nacional de Mineração (ANM), não tinha nem recursos humanos, nem materiais, para tomar conta das barragens. O fato é que o governo federal não dispõe de informações e meios para essa fiscalização. Não sabe o que acontece nessas barragens – diz Ferraço.

O presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB), se manifestou sobre o rompimento da barragem em Brumadinho (MG) pelo Twitter. “Lamentando que a tragédia de Mariana não tenha sido suficiente para evitar acontecimento similar, defendo que se abra uma ampla apuração das causas para que sejam cobradas as devidas responsabilidades”, escreveu.

Não faltaram alertas nem recomendações de ambientalistas e associações de moradores, mas eles foram ignorados. E a área da barragem que se rompeu na sexta-feira, em Brumadinho, ainda estava prestes a ver uma intensificação na atividade de exploração mineral de ferro.

A Vale pediu, e o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam), da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas (Semad), aprovou, em 11 de dezembro, a licença para que a empresa ampliasse a capacidade produtiva da Mina de Jangada e da Mina Córrego do Feijão, estruturas vizinhas, dos atuais 10,6 milhões de toneladas por ano para 17 milhões de toneladas por ano.

A votação no Copam só teve um voto contrário entre os nove conselheiros que decidiram a questão, mas o risco na região de Brumadinho foi citado em uma ata da reunião extraordinária do órgão ambiental que aprovou a mudança pedida pela Vale.

Ambientalistas apontam uma série de problemas na análise do projeto, como a falta de um mapeamento detalhado dos impactos do novo empreendimento, principalmente na bacia hidrográfica do Paraopeba, cujas águas complementam o abastecimento da capital, Belo Horizonte, além de cerca de 50 cidades da região metropolitana e do entorno.

A tramitação do pedido se beneficiou ainda de uma mudança em uma deliberação normativa que reduziu as exigências para intervenções de grande potencial poluidor e degradante.

O único voto contrário à aprovação partiu da ambientalista Maria Teresa Corujo, a Teca, do Fórum Nacional da Sociedade Civil nos Comitês de Bacias Hidrográficas (Fonasc). Além dela, votaram representantes da mineradora e do governo do estado.

Segundo Maria Teresa, a análise do pedido de ampliação das atividades na mina da Vale foi feito às pressas. “Não foi apresentado um balanço hídrico completo, de quais seriam os reais impactos nas águas do local e do entorno”, disse. “Aquela área já precisa, muitas vezes, de caminhão-pipa para ser abastecida.”

Falta no estado, afirmou Teca, esforço maior para aprovar legislação mais rigorosa para segurança de barragens. “Desde o ano passado, temos cobrado, na Assembleia Legislativa, a aprovação do projeto de lei de segurança de barragens”, contou.

Para a aprovação, a classificação de risco do empreendimento foi reduzida de 6 — dada historicamente ao local — para 4. Além disso, o licenciamento foi dado em uma só fase de análise, diferentemente das três que costumam nortear as decisões: licença prévia, instalação e operação.

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o superintendente da Superintendência de Projetos Prioritários (Suppri), da Secretaria Estadual de Meio Ambiente, Rodrigo Ribas, disse que o rebaixamento do projeto da barragem Brumadinho, da classe 6 para a 4, ocorreu apenas por uma questão técnica, resultado de uma mudança em uma lei estadual que alterou os critérios de classificação dos empreendimentos. Uma das diferenças da classe 4 para a 6, segundo ele, diz respeito ao custo geral do licenciamento, mais barato para a menor classificação.

Pedido

Para os moradores, o risco da exploração de minério na Serra do Rola-Moça sempre foi motivo de preocupação. E o temor cresceu depois de 11 de dezembro, quando a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) aprovou licença de ampliação e capacidade produtiva do complexo das minas da Jangada e do Córrego do Feijão.

Em reação, a Associação Comunitária da Jangada apresentou um recurso no governo do estado em 10 de janeiro para anulação da licença.

A presidente da Associação Comunitária da Jangada, Carolina de Moura, vê falta de transparência no projeto. “O que a gente pode afirmar é que os estudos de impactos são insuficientes”, frisou. “Esse projeto apresentado fala, inclusive, em mexer nessa barragem que se rompeu.

Eles queriam fazer o aproveitamento do minério que está em meio ao rejeito e descomissionar a barragem, que era o grande passivo da mineração na região.” Segundo Moura, a associação não recebeu resposta do poder público sobre a solicitação da recusa da licença.

O Estado de Minas teve acesso ao documento de ampliação da exploração da área. É possível observar que a Vale tinha o objetivo de operar na barragem que se rompeu, conforme o seguinte trecho: “Recuperação de finos da barragem I e VI da mina Córrego do Feijão”. A barragem, inclusive, era uma das que estavam contempladas pela Vale em um programa de barragens de 2009. “Esse programa de barragem é um projeto antigo, que previa a manutenção dessa estrutura.

Cheguei a questionar o presidente da Vale em uma assembleia de acionistas sobre esse projeto, a gente alertou sobre a importância desses recursos”, disse Moura.

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