O pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro (PSC-RJ) disse no fim de agosto que, se eleito, pretende nomear um general no primeiro escalão do Ministério da Educação (MEC). Na outra ponta, prometeu ampliar a abordagem educacional presente em 0,1% das 147 mil unidades públicas do Brasil: as instituições de ensino militarizadas. Movimentação semelhante ocorre em Santa Catarina, onde se estuda a implantação de outros três polos do Colégio Policial Militar Feliciano Nunes Pires, além dos existentes em Florianópolis desde 1984 e em Lages desde 2016. Tal educação rigorosa, rígida e disciplinada, que evoca a moral, os bons costumes e o civismo é respaldada por uma parcela considerável da população, mas questionada por alguns especialistas.
As cidades catarinenses cotadas para implantação de novos polos do colégio militar são Blumenau, Joinville e Laguna, conforme a Secretaria de Estado da Educação.
— É um projeto que o governo do Estado tem para que a gente possa trabalhar a expectativa de uma metodologia de ensino diferenciada feita pelos colégios militares e possa ofertar isso também de maneira expandida para o Estado — detalha o secretário Eduardo Deschamps.
A diretora de instrução e ensino da Polícia Militar em Santa Catarina, tenente-coronel Claudete Lehmkuhl, explica que as pessoas têm pedido à corporação a multiplicação da filosofia militar nas escolas com base na experiência em curso na capital catarinense há mais de três décadas. Mesmo com 90% das vagas destinadas a descendentes de militares e somente 10% à comunidade em geral por meio de sorteio (o Ministério Público recomenda o método em vez de prova há pelo menos 15 anos), a oficial acredita que esse movimento seja demandado pelo momento social, político e econômico vivido pela população.
— Isso é interessante porque estão valorizando a nossa proposta pedagógica, mas ao mesmo tempo é uma expansão que tem que ser feita com cautela, até porque envolve a estrutura da corporação. Tenho associado essas novas demandas a esse momento político que estamos passando, em que estão sendo solicitadas a volta da ética, dos valores, da cultura. E isso é muito repassado para as crianças e adolescentes no colégio militar — contextualiza a tenente-coronel.
No país, há 13 escolas comandadas pelo Exército — nenhuma em Santa Catarina — e dezenas conduzidas pelas polícias estaduais. Não há um órgão que centralize essa contagem, nem mesmo todos os Estados têm dados consolidados a respeito da própria realidade, mas se sabe que Goiás desponta na lista de federações com 36 colégios militares e outros 18 previstos para o ano que vem.
Processo está mais adiantado em Joinville
Joinville é a cidade onde as tratativas para implantação do colégio militar estão mais avançadas. Há cerca de um ano, quando o maior município do Estado vivia uma escalada no número de homicídios, o governador Raimundo Colombo (PSD) acertou, em uma reunião com a segurança pública e o empresariado local, a instalação de uma escola sob a batuta da PM. A justificativa era frear a onda de violência. Mas em vez de instalar a unidade militar de ensino em um bairro como o Jardim Paraíso, que tem altos índices de violência e onde dois adolescentes foram baleados em frente a uma escola em novembro de 2016, optou pela Escola de Educação Básica Osvaldo Aranha, que diz ter tomado conhecimento da mudança por meio da imprensa. Criada na região do Glória em 1946, a unidade teve grande queda no número de alunos de 2013 para 2014, quando passou por uma reforma de um ano de duração que custou R$ 2,7 milhões. No período, os estudantes foram transferidos para a Faculdade Anhanguera. A direção da instituição disse ter sido pega de surpresa com a notícia da transição e não quis comentar o assunto.
A secretária-executiva de desenvolvimento regional Simone Schramm, que também atua no Conselho Estadual de Educação, diz que a vulnerabilidade social foi levada em consideração no momento da escolha do espaço físico, mas que não há como implantar o sistema nas instituições com esse perfil porque as vagas estão todas preenchidas. Ela explica que a transição para uma educação sob a ótica militar será feita aos poucos e de forma gradativa na instituição.
A partir do ano que vem, alunos do 6º e 7º ano do ensino fundamental devem ser orientados por policiais. Já para os estudantes do ensino médio, por exemplo, o modelo de ensino seguirá o mesmo até a formatura.
— Eu tenho que viabilizar o projeto em um espaço compatível. Essa escola só está sendo ocupada no período matutino. Então inicialmente, em 2018, a nossa intenção é compartilhar esse espaço no período da tarde. Alunos de toda a cidade poderão tentar as vagas, elas não são específicas para quem mora na região — detalha.
O processo para composição em rede do colégio militar no Estado deve tramitar a partir de 30 de setembro no Conselho Estadual de Educação.
Governo e Polícia Militar negociam divisão de contas
Em Blumenau e em Laguna, onde devem ser instalados outros dois polos do colégio da PM, a Secretaria de Estado da Educação (SED) é quem vai indicar as unidades escolares que poderão mudar para o modelo. No município do Sul do Estado, a mais cotada é a Escola de Educação Básica Jerônimo Coelho, que compõe o segundo grupo escolar mais antigo do Estado e precisa de uma reforma de R$ 5 milhões para atender mais do que os 130 alunos matriculados atualmente. Não há consenso sobre quem assumiria a conta.
Outra dúvida, que seria tratada em uma reunião que aconteceu nessa semana entre secretarias e PM a portas fechadas, diz respeito à contratação de professores. Atualmente, o colégio militar contrata os próprios docentes – com salários superiores à rede estadual –, enquanto mantém policiais em funções administrativas.
— Estamos tentando viabilizar uma parceria com a SED para que ela passe a fornecer os profissionais do corpo docente e pedagógico e que a filosofia do colégio fique com base na disciplina repassada pelos policiais da reserva — explica a tenente-coronel Claudete Lehmkuhl, que responde pela diretoria de Instrução e Ensino da corporação.
O chefe de gabinete da SED, Mauro Tessari, reitera que a administração está auxiliando na expansão do colégio militar em Santa Catarina por meio da cessão de espaço físico. Além disso, diz que vem possibilitando a arrecadação de recursos que são equivalentes ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), que também se aplica à rede estadual, e ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). A pasta, no entanto, questiona a solicitação da PM em relação ao corpo docente.
— Compreendemos a importância do colégio militar, porém sempre defendemos que ele seja mantido e estruturado pela Polícia Militar com base no modelo que eles já têm na Feliciano Nunes Pires (onde é tudo bancado pela PM). Essa ideia de trabalhar com professores cedidos pela rede e, ao mesmo tempo, contar com policiais da reserva precisa ser analisada com cuidado em função da repercussão do ponto de vista jurídico e também a questão operacional — diz.
Tessari ainda salienta que a secretaria não se impõe à expansão do ensino militar em SC, desde que sejam observadas as regras estabelecidas pelo Conselho Estadual de Educação. Já a PM espera que a Educação atue mais para garantir a ampliação dos polos.
— Existe uma Secretaria de Educação para cuidar dessas demandas específicas. Nosso modelo é bom, mas nossa área é a Segurança Pública, seria um desvio de função — destaca o diretor do Colégio Policial Militar Feliciano Nunes Pires, em Florianópolis, tenente-coronel José Geraldo Rodrigues de Menezes.
O porquê da boa avaliação educacional dos colégios militares
As escolas militares são conhecidas popularmente pelo bom desempenho em avaliações educacionais. O Colégio Policial Militar Feliciano Nunes Pires em Florianópolis, por exemplo, alcançou a melhor nota entre as séries finais da rede estadual no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) em 2015 e atingiu a 19ª colocação no ranking geral. Em relação ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2009, obteve a melhor colocação no Estado.
Além da disciplina, a PM atribui o sucesso à função do monitor em sala de aula. A atividade, que é desempenhada por um policial militar, consiste em um aconselhamento, além de cobrar os conteúdos. Atividades extraclasse e presença da família no ambiente escolar também contribuem para os índices, segundo os militares.
Contrário ao modelo, o secretário de assuntos educacionais e culturais do Sindicato dos Trabalhadores da Educação (Sinte-SC), Luiz Carlos Vieira, diz que essas avaliações em larga escala não levam em consideração o Índice de Desenvolvimento Humano de cada estudante e, portanto, têm resultados injustos.
— É óbvio que em um colégio da Polícia Militar, onde eu tenho seletividade de acesso dos estudantes, terei Ideb diferente daquele lá do morro. Como que eu posso fazer uma avaliação com a mesma régua de um adolescente que, eventualmente está envolvido com o tráfico, com o filho de um militar, que tem uma condição de vida diferenciada? — questiona.
Ao considerar o histórico de cada aluno avaliado, inclusive em relação ao capital de informação e de cultura de cada um, o estudioso da história e da historiografia da educação e professor da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) Norberto Dallabrida acrescenta outro aspecto para ponderar o sucesso de avaliação dos colégios militares: a remuneração dos professores contratados pela PM que, segundo ele, é semelhante a de professores universitários.
— Há um fator estrutural nisso tudo. O mundo contemporâneo, mais democrático e plural, tem que buscar outras formas, que privilegiem a inclusão pelo diálogo. A disciplina de corte é para os militares — diz.
Tentativa de diminuir a violência escolar
A disciplina inerente ao cotidiano de quem estuda em um colégio militar, associada à presença de policiais no ambiente escolar, pode ser encarada como medida de segurança capaz de frear a violência nesses espaços. Apesar de defender o modelo de gestão educacional na atualidade, mesmo com poucos alunos seguindo a carreira posteriormente, a diretora de instrução e ensino da PM, Claudete Lehmkuhl, diz que a solução para o contexto violento não se resume à militarização do ensino.
— É uma carência social em que está sendo percebido como solução os colégios militares, mas é algo que precisa ser revisto em todos os colégios. Não podemos confundir democracia com a falta de disciplina em uma escola. Os professores precisam voltar a ter autoridade, independentemente de ser uma unidade militar ou não — opina.
Mesmo entendimento tem a doutora em educação Miriam Abramovay, que questiona a abordagem repressiva do modelo. Segundo a pesquisadora da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais, regras muito duras tendem a ser burladas por adolescentes que, por natureza, são inquietos.
— Há uma fantasia e até uma tendência de achar que os militares podem salvar esse país em razão da descrença política. Esse debate também se reflete nas escolas, porque teoricamente seriam lugares de ordem e sem greve. É controverso para a escola e para a sociedade. A PM não consegue resolver a segurança pública, então por que se mete na educação? — questiona.
Como resposta à insegurança vivida por alunos, professores e comunidade do entorno de uma escola, Miriam aposta em medidas preventivas em contraponto à militarização. Um exemplo é o programa que aplica no Rio Grande do Sul e no Ceará, que valoriza a atuação de todos os sujeitos da escola, a articulação com a rede de proteção social, governo e demais instituições na busca por mudanças no cotidiano escolar.
OS COLÉGIOS MILITARES EM SC
Florianópolis
Escola: Colégio Policial Militar Feliciano Nunes Pires (criada especificamente pela e para a corporação)
Alunos: 392
Professores: 25 admitidos em caráter temporário (ACTs) cuja folha de pagamento é responsabilidade da Polícia Militar
Funcionários: 14 policiais militares no corpo administrativo, oito funcionários civis, quatro pedagogas ACTs, três bombeiros militares, uma psicóloga civil ACT e um agente temporário.
Manutenção: a PM diz que mantém a escola com orçamento próprio, inclusive no pagamento de pessoal, mas conta com doações pontuais da SED, que variam desde livros até financiamento de laboratório
Lages
Escola: Colégio Policial Militar Feliciano Nunes Pires (implantado inicialmente no polo de ensino à distância da Universidade Aberta do Brasil, de responsabilidade da SED, mas posteriormente transferido para a escola Melvin Jones, no bairro Gethal)
Alunos: 138 alunos em quatro turmas do ensino fundamental (6o e 7o ano)
Professores: nove admitidos em caráter temporário (ACTs) cuja folha de pagamento é responsabilidade da PM
Funcionários: nove policiais militares no corpo administrativo, cinco pedagogas ACTs, quatro monitores, três bombeiros militares e uma funcionária civil da PM.
Manutenção: a PM diz que mantém a escola com orçamento próprio, mas conta com doações pontuais da SED, que variam desde livros até financiamento de laboratório.
Joinville
Escola: Colégio Policial Militar Feliciano Nunes Pires (a ser implantado na escola estadual Osvaldo Aranha, no bairro Glória)
Alunos: a previsão é que ingressem duas turmas de 6o e 7o ano do ensino fundamental.
Professores: ainda não há informações a respeito do número que seria necessário.
Funcionários: há um acordo em curso para tratar desse aspecto. A PM almeja que os professores sejam contratados pela SED e os demais profissionais cedidos da reserva remunerada da corporação.
Manutenção: a expectativa é de que seja divida entre PM e SED, com maior peso na Educação.
Blumenau
Escola: Colégio Policial Militar Feliciano Nunes Pires (a Secretaria de Desenvolvimento Regional tem duas opções de escolas para implantar, mas ainda não há uma definição).
Alunos: ainda não se sabe.
Professores: Ainda não há informações a respeito do número que seria necessário
Funcionários: há um acordo em curso para tratar desse aspecto. A PM almeja que os professores sejam contratados pela SED e os demais profissionais cedidos da reserva remunerada da corporação.
Manutenção: a expectativa é que seja divida entre PM e SED, com maior peso na Educação.
Laguna
Escola: Colégio Policial Militar Feliciano Nunes Pires (a ser implantado no centenário Colégio Jerônimo Coelho).
Alunos: ensino fundamental e ensino médio.
Professores: Ainda não há informações a respeito do número que seria necessário.
Funcionários: há um acordo em curso para tratar desse aspecto. A PM almeja que os professores sejam contratados pela SED e os demais profissionais cedidos da reserva remunerada da corporação.
Manutenção: a expectativa é que seja divida entre PM e SED, com maior peso na Educação. Caso isso não aconteça, a Secretaria de Desenvolvimento Regional indica que seriam necessários R$ 100 mil mensais de repasse para custeio.
AS PRINCIPAIS DIFERENÇAS DE UMA INSTITUIÇÃO DE ENSINO MILITARIZADA
Esses espaços costumam ter regimentos internos bastante rígidos, além de um cotidiano quase ritual. Confira algumas práticas:
– Cantar hinos (da cidade, do Estado, do Brasil etc) todos os dias pela manhã;
– Formar pelotões todos os dias pela manhã;
– Saber marchar e prestar continência;
– Ter um rodízio de um regente de classe que, dentre outras tarefas, fica responsável por informar os alunos faltantes ao professor;
– Limpar a sala de aula ao final de cada dia;
– Ter no currículo a disciplina de Instrução Geral da Polícia Militar, que percorre todos os anos e dá a noção sobre o trabalho da corporação;
– Usar uniforme;
– Não pintar unhas ou cabelo.