Nessa terça-feira (5), a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) tomou uma decisão inédita que pode abrir jurisprudência para outros casos.

Os ministros autorizaram o recolhimento da carteira de motorista (CNH) de um homem que foi alvo de uma ação por dever quase R$ 17 mil para uma escola. O objetivo seria pressionar o inadimplente a regularizar o débito.

Na mesma decisão foi rejeitada a autorização para que o passaporte dele fosse apreendido. No entendimento, a medida foi considerada desproporcional e violaria o direito de ir e vir.

O caso em questão analisava um habeas corpus apresentado pelo devedor, que teve o passaporte e a CNH suspensos pela 3ª Vara Cível de Sumaré (SP).

O réu argumentou que a apreensão dos documentos “ofende sua liberdade de locomoção, coagindo ilegalmente sua liberdade de ir e vir”. Além disso, disse que uma dívida não deveria gerar “injusta violação” à liberdade.

O juiz de primeira instância atendeu ao pedido integralmente. Já na segunda, porém, derrubou o entendimento por avaliar que o habeas corpus não era o instrumento adequado. Nessa terça, o ministro Luís Felipe Salomão, relator do caso, considerou no voto dele que a adoção de medidas “indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias” é importante para viabilizar a execução de decisões.

Apesar disso, explicou que as medidas devem ser proporcionais e não ferir direitos constitucionais, entre eles a liberdade de deslocamento.

“A adoção de medidas de incursão na esfera de direitos do executado, notadamente direitos fundamentais, carecerá de legitimidade e configurar-se-á coação reprovável, sempre que vazia de respaldo constitucional ou previsão legal e na medida em que não se justificar em defesa de outro direito fundamental.

É que objetivos pragmáticos, por mais legítimos que sejam, tal qual a busca pela efetividade, não podem atropelar o devido processo constitucional e, menos ainda, desconsiderados direitos e liberdades previstos na Carta Maior”.

Por ser o tribunal responsável por uniformizar o entendimento do Poder Judiciário, o STJ pode usar a análise do caso e o processo como um todo como precedente para outros semelhantes.

Salomão disse que a suspensão do passaporte era “ilegal e arbitrária, uma vez que restringiu o direito fundamental de ir e vir de forma desproporcional e não razoável”. Mas considerou que a CNH poderia ser apreendida por não impedir o deslocamento do réu.

“Inquestionavelmente, com a decretação da medida, segue o detentor da habilitação com capacidade de ir e vir, para todo e qualquer lugar, desde que não o faça como condutor do veículo”. Todos os ministros da Turma acompanharam o relator.

Outro caso
Em 2016, a juíza Andre Musa suspendeu a carteira de habilitação, apreendeu o passaporte e cancelou o cartão de crédito de um réu até que ele pagasse uma dívida. A magistrada explicou que ele tinha um débito desde 2013 e, mesmo após todos os meios de cobrança, não pagou ou teve qualquer atitude que indicasse intenção de pagar.

“Se o executado não tem como solver a presente dívida, também não tem recursos para viagens internacionais, ou para manter um veículo, ou mesmo manter um cartão de crédito. Se porém, mantiver tais atividades, poderá quitar a dívida, razão pela qual a medida coercitiva poderá se mostrar efetiva”, disse a julgadora na época.

A decisão, no entanto, foi anulada pela 30ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo. O desembargador Marcos Ramos, relator do caso, entendeu que a decisão feria o direito de ir e vir do réu. “Em que pese a nova sistemática trazida pelo artigo 139, IV, do CPC/2015, deve-se considerar que a base estrutural do ordenamento jurídico é a Constituição Federal, que em seu art. 5º, XV, consagra o direito de ir e vir”.

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