por Rafa Silva
Em entrevista ao Glamurama, o prefeito de São Paulo, João Doria Jr, tentou esboçar uma análise mais complexa sobre o cenário político internacional e terminou sem fazer sentido algum.
1) ” Não acho que o mundo esteja dando uma guinada à direita. Sinto isso mais como um movimento pontual. Onde as esquerdas foram muito incompetentes, insensíveis, ideológicas demais, sindicalizadas em excesso, protecionistas no plano do abuso, houve uma reação popular natural – aí, o discurso mais à direita sensibiliza. “
Dória erra ao negar que o mundo esteja se encaminhando à direita. Das eleições argentinas, em 2015, até o avanço da direita holandesa, no último mês – passando pelo impeachment de Dilma, pelo massacre do Partido Conservador na Inglaterra, pelo Brexit e a vitória de Trump – podemos perceber um avanço claro de partidos e lideranças situados mais à direita no debate político mundial. As razões variam de país para país. Na Europa, o tema da imigração desenfreada é a principal força motriz; na América do Sul, o péssimo desempenho econômico e a corrupção generalizada. No Brexit, a questão identitária também ganhou força. Em todos os temas, a direita apresentou alternativas para a população. A esquerda patinou.
2) “Onde a esquerda teve a capacidade de ser mais social-democrata, mais permeável, ainda que tendo como princípio proteger os mais pobres e os mais humildes, ela se consolidou.”
Doria parece não compreender o conceito de Social Democracia. Os países europeus que falharam ao longo dos últimos anos eram todos baluartes da social democracia. De fato, a crise que assola o velho continente é, em suma, uma crise do sistema de welfare state representando a derrocada de um consenso político gestado no século passado.
O que ele chama de “esquerda” – a esquerda européia, em especial – é, sim, uma esquerda “mais social democrata”. É o caso do PSOE espanhol, do Partido Socialista Francês, do Partido Social Democrata alemão e do Partido Trabalhista inglês. No Brasil, a despeito dos arroubos bolivarianos do PT, a social democracia foi a tônica dos governos Lula e Dilma. E da prefeitura de Haddad. Assistencialismo, inchaço da máquina pública, a cantilena dos “direitos” sem deveres, crescimento do aparato burocrático, hiper-protecionismo trabalhista. São essas as características de um governo social democrata.
É errado, portanto, dizer que com mais “social democracia”, a esquerda se consolidaria. Onde isso foi aplicado, falhou. Inclusive eleitoralmente.
3) “A própria Angela Merkel não é de direita, é social-democrata, e consegue estabelecer equilíbrio entre o setor produtivo, a classe trabalhadora e os sindicalistas.”
Angela Merkel foi eleita pelo CDU, um partido conservador. Seus primeiros mandatos foram marcados por uma gestão sólida da economia alemã, que se adaptou mais rapidamente às demandas por modernização e competitividade que seus vizinhos europeus. O estado alemão, adepto do Ordoliberalismo, apresenta liberdade econômica muito superior a de seus vizinhos continentais. No ranking mundial da Heritage, a Alemanha se encontra em 26o, ao passo que seus colegas de Zona do Euro verdadeiramente Sociais democratas (Espanha, Itália e França) encontram-se em 69o, 72o e 79o respectivamente.
É errado, portanto, afirmar que a Alemanha de Merkel segue os preceitos da Social Democracia que arruinaram seus vizinhos. Tanto a Alemanha quanto a Holanda, Suécia e Dinamarca apresentam altos índices de liberdade laboral, ausência de burocracia e eficiência regulatória – e ainda adaptam sua máquina estatal para as demandas de um mundo cada vez mais competitivo. Seu aparato de seguridade social e assistencialismo vem sendo reformado e repensado, com maior e menor sucesso dependendo do país.
4) “Ela não deixou acontecer o que houve na França, por exemplo. Lá, você concede, concede, concede e – pum! – crise, crise, crise. Aí, a Marine Le Pen acaba tendo chance de se eleger agora.”
Marine Le Pen lidera as pesquisas na França pois oferece uma resposta à crise de imigração que assola a França. É um debate de outra ordem. Seus concorrentes apresentam matizes das mais diversas, como o Liberal-progressista Macron e o extremista Mélenchon. Doria esquece que Macron liderou as reformas laborais de Hollande, um Socialista herdeiro da tradição social-democrata francesa. Precisou peitar a esquerda para isso. O cenário é bem diferente de sua análise.
Conclusão
Dória tenta negar o crescimento da direita, tratando o fenômeno global como reação a alguns “desacertos” de uma esquerda que negou a “social democracia”. Parece crer que aquilo que chama de “social democracia” é algo diferente da esquerda que critica. Não é.
A insistência em tentar oferecer uma saída honrosa para grupos políticos que destruíram o mundo e o país é preocupante. O Brasil que derrubou Dilma e elegeu Dória prefeito não quer uma “esquerda social democrata” no poder. Ele já experimentou isso – e não gostou – durante as gestões FHC, Lula e Dilma.
Doria não precisa se rotular e se reduzir. Pode manter uma linha independente, e continuar defendendo sua agenda modernizante do Estado brasileiro. Errará fatalmente, porém, se buscar agradar a ala vermelha de seu partido e a elite com sentimento de culpa que o circunda.