A atual crise se instaurou no último domingo (25/11), no Estreito de Kerch, litoral da Península da Crimeia, quando a Marinha russa impediu a passagem de três barcos militares ucranianos para o Mar de Azov. O estreito fica entre a Rússia continental, no leste, e a península anexada pelos russos em 2014, no oeste.
Segundo Kiev, os barcos deveriam ir de Odessa, no Mar Negro, para Mariupol, no Mar de Asov. E o governo russo, argumentam os ucranianos, teria sido informado previamente sobre o traslado.
Em Moscou, a versão é outra. O serviço secreto russo, a FSB (antiga KGB), que também é responsável pela proteção das fronteiras, argumenta que os navios ucranianos invadiram ilegalmente as águas territoriais russas e que as tripulações não obedeceram às ordens de parar.
Durante a disputa, um navio da Guarda Costeira russa danificou um rebocador da Marinha ucraniana. Em seguida, as forças russas capturaram as três embarcações ucranianas, confiscando-as por violação da fronteira russa. Houve disparos de alerta por parte dos russos.
Por que o Estreito de Kerch é tão importante?
O Estreito de Kerch é a única ligação entre dois mares – o Mar Negro e o Mar de Azov. Só se consegue chegar aos dois portos mais importantes da Ucrânia, Mariupol e Berdiansk, por essa via marítima. A passagem é vital principalmente para Mariupol, no leste da Ucrânia, com suas duas indústrias metalúrgicas.
Desde a anexação da Crimeia, em 2014, a Rússia controla o estreito dos dois lados – o que dificulta o trânsito de embarcações ucranianas. As consequências do controle russo ficaram particularmente sensíveis depois da conclusão de uma ponte que liga a península ao território russo, em maio deste ano.
Isso agravou a situação, já que o FSB realiza controles em todos os navios que têm a Ucrânia como destino. Às vezes, as inspeções duram dias. Desde então, o volume de cargas vem caindo consideravelmente. O conflito em Donbass, região no leste ucraniano, traz mais problemas aos portos ucranianos.
Disputa de Direito marítimo
Na atual escalada, a Ucrânia e a Rússia se acusam mutuamente de violações do Direito marítimo internacional. Nesse contexto, costumam citar, entre outros, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS, na sigla em inglês), de 1982 e à qual os dois países aderiram nos anos 1990.
Enquanto a Ucrânia insiste na liberdade de trânsito no Estreito de Kerch e no Mar de Azov em consonância com esse acordo, o lado russo tenta estabelecer fronteiras territoriais. Além disso, existe um acordo bilateral sobre a livre utilização do Estreito de Kerch e do Mar de Azov, que Kiev também menciona. Já a Rússia nunca questionou esse tratado.
Estado de exceção na Ucrânia
Com base no incidente no Estreito de Kerch, Kiev impôs, pela primeira vez no âmbito do conflito com Moscou, a lei marcial. O presidente ucraniano, Petro Poroshenko, assinou um decreto neste sentido na segunda-feira (26/11), aprovado pelo Parlamento do país.
Kiev deixou claro que o estado de exceção não é uma declaração de guerra contra a Rússia, mas que serve exclusivamente para a autodefesa da Ucrânia.
Ainda assim, a decisão do presidente é controversa também na Ucrânia. A lei marcial deverá vigorar apenas por 30 dias. Nesse período, direitos dos cidadãos ucranianos – como a liberdade de associação, por exemplo – poderiam ser restringidos. Também se especula se as eleições presidenciais previstas para março de 2019 poderão acontecer. Se a lei marcial for estendida, as eleições poderão ser questionadas.
A anexação da Crimeia
O mais recente acirramento das tensões no Estreito de Kerch faz recrudescer o conflito entre Ucrânia e Rússia. Em 2014, após a deposição do então presidente ucraniano Viktor Yanukovich, a Rússia ocupou a península numa ação que, num primeiro momento, foi secreta e que, em seguida, levou à anexação oficial do território.
O governo russo invocou os resultados de um polêmico referendo que havia sido realizado na Crimeia. A anexação não foi reconhecida nem pela Ucrânia, nem pela comunidade internacional. A disputa pela península já resultou em vários processos legais internacionais, a maioria deles iniciados por Kiev.