Se observarmos menos cientistas em si mesmos, que dedicam suas vidas à pesquisa em laboratório e mais aos ditos “divulgadores da ciência”, observaremos uma predominante tendência em direção ao marxismo – quer enquanto suposta ciência econômica, quer enquanto suas manifestações diluídas na cultura como um todo.
Quem já leu algum artigo ou viu alguma participação televisiva dessas figuras, como Carl Sagan, Richard Dawkins, Bill Nye, Neil deGrasse Tyson, Lawrence Krauss, Stephen Hawking e alguns outros sabe do que estou a afirmar.
Contudo, será que o ideário marxista é realmente simpático à deusa que é objeto de adoração dessas famigeradas figuras?
Dentre linhas possíveis de análise do marxismo, costumo traçar duas que julgo altamente interessantes: por um lado, a cosmovisão marxista tal como ela é, é pobre em si mesma e, por outro, ela também empobrece tudo aquilo que toca, numa espécie de toque de Midas às avessas (tentem ler crítica literária marxista – salvo raras e pontuais exceções, como Eagleton ou Lukács – e experimentem a sensação de julgar todo o cânone ocidental como brancos exploradores).
Primeiro, pobre, pois embora aspire ser científico (como não esconde Marx no prefácio de O Capital), embora pretenda revelar as leis objetivas que regem a sociedade e a racionalidade mesma da vida social e do capitalismo, não fez nada disso (toda cientificidade possível do marxismo já foi refutada – no aspecto mais gritante, talvez, em suas previsões furadas) e porque, embora objetivasse voos elevados, nada disse sobre tópicos importantíssimos à vida humana: moral, felicidade, valores e todos os outros além de história e economia.
Pobre porque não possui uma análise das instituições das democracias liberais, não tem uma ciência política nem uma teoria do Estado (sua ciência política é o fim da política e sua teoria do Estado limita-se a afirmar que, com o advento do comunismo, o Estado se dissolverá – não perguntem como, legue isso à sua imaginação). É uma teoria intelectualmente pobre e limitada.
Depois, empobrecedor porque, onde tentou-se aplicá-lo para além dos campos histórico e econômico (e inclusive nestes, diga-se de passagem) foi extremamente reducionista. As vertentes de crítica literária que veem feminismo ou machismo em Shakespeare ou Jane Austen não fazem mais que limitar obras de grandes autores a um pseudo-conflito de gênero (essa é, em certo sentido, a “expansão” do marxismo: não se trata mais de conflito entre patrões e empregados, mas entre crentes e ateus, heterossexuais e homossexuais, homens e mulheres, crianças e pais, professor e aluno – o que chamo de marxismo rastaquera recauchutado ou o que problematicamente convencionou-se chamar de “marxismo cultural”). Limitar obras clássicas da literatura universal a interpretações tão pobres e reducionistas é intelectualmente empobrecedor.
Os exemplos não param aí. Aliás, estendem-se, incrivelmente (ou não), à própria ciência física. À época da Rússia bolchevique, a genética de Mendel foi preterida pela de Lissenko por razões políticas.
O mesmo com a relatividade einsteniana. A evolução de Darwin foi aceita pelos revolucionários (apesar da negativa de Darwin que Marx dedicasse O Capital a ele) aparentemente por motivos errados – a teoria casava-se com a visão teleológica de história dos comunistas: o homem comunista seria o pico da escala evolutiva. Como sabemos, essa visão da evolução como uma “escada” é rechaçada pelos biólogos.
Einstein e Mendel estavam em desacordo com o materialismo dialético de Engels. Aliás, qualquer coisa que se pretenda ciência está. Nenhuma ciência pode ser “dialética”. Qualquer teoria científica que suporte contradições internas não é uma boa teoria.
Mas a hostilidade marxista à ciência não parou por aí. A Escola – neomarxista – de Frankfurt viu na ascensão astronômica da tecnologia a verdadeira morada dos grilhões das pessoas.
Não mais patrões ou salários oprimiam, mas os avanços desregrados do mundo moderno que eram responsáveis pela repressão (essa retórica nos é bastante familiar). Nenhuma novidade para aqueles familiarizados com obras como “Eclipse da Razão” de Max Horkheimer ou “Dialética do Esclarecimento” de Theodor Adorno.
Giorgy Lukács, um caso raro de marxista com colaborações pertinentes em áreas distintas da filosofia antecipa Foucault e outros pós-modernos e afirma em Ataque à Razão que fatos não existem. O que existem são fatos de uma ciência produzida dentro de um contexto capitalista e que, portanto, desapareceriam com o fim deste último:
“Os fatos – ‘exatamente na estrutura da sua objetividade’ – são ‘produtos de uma época histórica determinada, a do capitalismo”. “Por conseguinte, a ‘ciência’ que reconhece o modo em que eles são proporcionados imediatamente como base da fatualidade cientificamente relevante e a sua forma objetual como premissa da formação científica do conceito; tal ciência se coloca simples e dogmaticamente no terreno da sociedade capitalista, assumindo acriticamente a sua essência, a sua estrutura objetual, a sua legalidade como base imodificável da ‘ciência’” (COLLETTI apud LUKACS, 1983, p.39). [Essa discussão se encontra nas páginas 60 a 70 da edição brasileira do História e Consciência de Classe].
Posto nesses termos, a crítica marxista à ciência me parece bem mais hostil que a conservadora, que em grande parte das vezes se limita a criticar partes de teorias científicas ou o que convencionou-se chamar “cientificismo”.
Nessa medida, felicita saber que as ciências naturais passam ao largo dessas críticas, ignorando-as sumariamente. Fatos científicos brutos são objetivos (mesmo quando seu uso não o é): qualquer indivíduo, de qualquer época ou cultura e que produza um punhado de fatos autoevidentes chegará no mesmo lugar que Euclides.
Qualquer cultura, de qualquer época, que pretenda produzir uma bomba atômica terá ou de estudar a “nossa” física ou começar do zero chegando aos mesmos resultados dela. A ciência, enquanto se mantiver como empreitada honesta de busca de certos conhecimentos continuará, ainda bem, imune aos delírios marxistas, mas não está, infelizmente, ao marxismo de seus popularizadores.
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