Por que reforma econômica de Maduro ainda não surtiu efeito?

Há 100 dias, presidente da Venezuela anunciou pacote de medidas para tirar país da crise, incluindo desvalorização da moeda e aumento do preço da gasolina. Até agora, balanço é desanimador.

Para quem sofre na própria pele as consequências de uma crise econômica, em geral o tempo transcorre lento. Assim, para muitos venezuelanos parece ter sido ontem que o presidente Nicolás Maduro anunciou suas medidas para sustar a desvalorização da moeda nacional, o bolívar, e resgatar o país da espiral hiperinflacionária.

O programa conjuntural de Maduro completa 100 dias neste domingo (25/11) – e a promessa de fortalecer o poder aquisitivo da população e corrigir as distorções financeiras, feita pelo presidente em 17 de agosto, ainda não foi cumprida.

O plano presidencial de reforma incluiu uma radical desvalorização da moeda, elevando a cotação oficial do dólar de 240 mil para 6 bilhões de bolívares; o corte de cinco zeros nas cédulas; a introdução de uma criptomoeda nacional venezuelana, o “petro”: a elevação do salário mínimo de 50 para 1.800 bolívares; e o aumento dos preços da gasolina, que até então era praticamente dada de presente à população, a 0,01 dólar o litro.

População dependente do governo

O sociólogo Héctor Briceño, pesquisador do Centro de Estudos de Desenvolvimento da Universidade Central de Caracas, faz um balanço desanimador: “O que Maduro realmente conseguiu foi o fechamento de muitas pequenas e médias empresas, que até então ainda sobreviviam, por milagre.”

Para Briceño, o governo nunca disse expressamente ser essa sua intenção, mas agora ele conseguiu o que há muito queria: ampliar a própria posição como único fornecedor de bens e serviços, de forma a tornar a população totalmente dependente dele.

Segundo o sociólogo, o poder aquisitivo teoricamente maior com a elevação do salário mínimo mostrou ser inútil, pois a inflação não caiu, mas sim continuou crescendo. Ninguém tampouco entendeu qual o sentido da criptomoeda petro, que não se apoia nem em produtos, nem numa outra moeda.

“E o que é feito realmente com os lucros que Maduro alegadamente obtém com a mineração de ouro no Arco Minero, na margem do rio Orinoco, no nordeste do país?”, indaga o sociólogo.

No início de novembro, o conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, John Bolton, advertiu que para os cidadãos americanos é crime passível de punição fazer negócios com o ouro venezuelano. Os Estados Unidos acusam o governo em Caracas de “saquear” os recursos nacionais para praticar lavagem de dinheiro e se manter no poder.

População foge

Alejandro Márquez Velásquez, do Instituto Latino-Americano da Universidade Livre de Berlim lembra que “entre o fim de 2014 e 2016, Maduro podia culpar a queda dos preços do petróleo pela má situação”, mas “agora, que o preço do óleo cru está entre 60 e 70 dólares, está claro que a crise é agravada pela falta de investimentos na indústria petrolífera”.

No momento, a Venezuela extrai diariamente pouco mais de 1 milhão de barris de petróleo, enquanto quatro anos atrás esse volume era de 3 milhões de barris. “O país não vai voltar a alcançar essa quota de extração tão rápido assim, porque o governo não tem dinheiro para importar máquinas mais modernas, de modo a manter as perfurações ativas.”

E, como não consegue mais divisas no mercado financeiro internacional, agora o país olha, esperançoso, para a China, explica o economista: Maduro tenta convencer Pequim a investir na indústria petrolífera venezuelana, a fim de reanimá-la.

“O ouro negro ainda é responsável por 96% das exportações venezuelanas, e a principal fonte de divisas do país. A questão decisiva é como impulsionar outros produtos, a fim de diversificar as exportações”, prossegue Velásquez.

Sob outras circunstâncias, o setor privado teria o potencial para vender suas mercadorias e serviços no exterior. Mas o controle estatal sobre as taxas de câmbio deixa os empresários de mãos atadas. “Nem mesmo a reforma mais recente trouxe o relaxamento dos controles de divisas impostos 15 anos atrás.”

Enquanto isso, cada vez mais habitantes abandonam o país. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), está atualmente em curso o maior êxodo da história moderna da América Latina: o órgão calcula que 3 milhões de pessoas deixaram a Venezuela desde 2015. E a reforma econômica de Maduro não está conseguindo detê-los.

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