Parte do orçamento de R$ 31 bilhões do submarino nuclear foi pelo ralo da propina. O programa foi usado para desviar dinheiro para militares de alta patente. E destinou R$ 17 milhões para o caixa 2 do PT.
Cinco executivos da Odebrecht revelaram o esquema de corrupção no programa do submarino nuclear brasileiro. O ex-presidente da Odebrecht Infraestrutura, Benedicto Júnior, contou aos procuradores da Lava Jato como tudo foi montado. Ele disse que a empresa francesa DCNS, escolhida para executar o projeto, procurou a Odebrecht para uma parceria.
Mas para firmar o acordo, a DCNS exigiu repasses ilegais ao representante da empresa no Brasil: o lobista José Amaro Ramos, que ficaria responsável por distribuir o dinheiro entre os demais participantes do esquema.
“Quando da assinatura do nosso consórcio, fui a uma reunião em Paris para a assinatura formal. E um dos executivos da DCNS, na presença do doutor José Amaro Ramos, disse: ‘Olha, Júnior, está tudo tranquilo, está tudo bem, mas eu preciso que o senhor faça um contrato e comece, se prepare para pagar alguns recursos ao José Amaro Ramos. Essa é uma condição para que essa parceria evolua’. Mas a verdade é que eu fiz, autorizei e fiz pagamentos de quase 40 milhões de euros para esse agente”, disse Benedicto Júnior.
O executivo Luiz Eduardo Soares – que trabalhava no departamento que contabilizava os pagamentos ilegais da Odebrecht – disse que parte do dinheiro repassado ao lobista José Amaro Ramos era destinada a um militar aposentado de alta patente na Marinha – identificado no termo de colaboração como “almirante Braga”.
Investigador: – Quem era almirante Braga?
Luiz Eduardo Soares: – Almirante Braga é um ex-almirante, também reformado, reformado que desse daí distribuía para as viúvas.
Investigador: – O que são as viúvas, que o senhor falou?
Luiz Eduardo Soares: – Então, de outros almirantes que já faleceram, ex-almirantes.
Segundo Benedicto Júnior, outro almirante também foi beneficiado no esquema: o ex-presidente da Eletronuclear, Othon Luiz da Silva Pinheiro, que está preso por um esquema de corrupção na empresa. Benedicto Júnior diz que a empreiteira queria assessoria técnica de Othon na área de tecnologia nuclear e pagou propina em troca disso.
Benedicto Júnior: — Ele era presidente da Eletronuclear.
Investigador: – Vocês formalizaram isso?
Benedicto Júnior: — Não, não formalizamos, fiz os pagamentos de forma irregular pelo sistema Drousys, tenho no computador os comprovantes
Os pagamentos foram feitos pelo engenheiro Fábio Gandolfo – diretor de Contrato da Odebrecht, que também fez delação premiada. Ele contou que entregou pessoalmente – a título de antecipação – R$ 1,2 milhão em quatro parcelas, na casa de Othon Pinheiro, na Barra da Tijuca, no Rio.
“Eu levava uma sacola, eram valores um pouco mais altos, acho que valores da ordem de R$ 300 mil, por aí, geralmente eu colocava numa sacola, subia, batia um papo com ele, entregava, ficava lá e depois ia embora”, contou Fábio Gandolfo.
Também foram feitos cinco depósitos, no valor de 300 mil euros cada, numa conta indicada por Othon Pinheiro, totalizando 1,5 milhão de euros. Mas esses pagamentos foram barrados na Suíça porque Othon presidia a Eletronuclear. A Odebrecht entregou cópias de comprovantes dos depósitos que diz ter feito.
Marcelo Odebrecht, afirmou que parte do dinheiro foi desviada para repasses ilegais ao PT. Marcelo Odebrecht disse que inicialmente a negociação com o partido foi feita com o ex-ministro Antonio Palloci, envolvendo repasses de caixa 2 do PT. Mas depois foi o então tesoureiro do partido, João Vaccari, que procurou o executivo da Odebrecht Benedicto Júnior para cobrar.
“Nós recebemos um adiantamento de R$ 650 milhões. Nesse momento que o dinheiro caiu em nosso caixa eu fui procurado pelo doutor João Vaccari, ele com a informação de que eu tinha recebido um valor expressivo. E ele disse que eu deveria fazer pagamentos por conta do submarino. Eu disse a ele: ‘doutor João, veja, nós nunca conversamos sobre esse assunto. Nós temos uma agenda de contribuições ao partido, o senhor tem uma agenda com a Petrobras e os executivos lá, mas nós nunca conversamos sobre o submarino’”, disse Benedicto Júnior. Benedicto Júnior disse que decidiu não fazer o pagamento e avisou Marcelo Odebrecht – que acabou fechando um novo acordo com o PT.
“Parece que o Vaccari continuou insistindo e eu falei com o Palocci: ‘Olha, Palocci, então, houve esse pedido, não tem nenhum cabimento, eu já acertei com você o valor global, não vou ficar acertando valor por projeto, entendeu?’ E o Palocci, nesse sentido, de alguma maneira, passou a mensagem para Vaccari e esse assunto foi resolvido. Ou seja, o Palocci para apaziguar lá o Vaccari, aceitou que eu abatesse da conta dele um valor que foi entre R$ 6,5 milhões e parece que depois foi para R$ 17 milhões, entendeu? Foi algo entre R$ 6,5 milhões e R$ 17 milhões”, disse Marcelo Odebrecht.
O projeto ainda está em andamento. A Marinha do Brasil informou que o Programa de Desenvolvimento de Submarinos deve ficar pronto em 2027.
Até o momento já foram repassados para a Odebrecht, que integra o consórcio responsável pelo projeto, mais de R$ 6 bilhões. As denúncias dos delatores foram encaminhadas para o Tribunal Regional Federal, no Rio, que vai decidir pela abertura ou não de inquérito.
A defesa de Othon Luiz da Silva Pinheiro disse que os fatos relatados não correspondem à realidade.
Ninguém conseguiu contato com José Amaro Ramos.
A defesa do ex-ministro Palocci disse que dono da Odebrecht – Emílio Odebrecht – afirmou em depoimento que havia quatro pessoas que respondiam pelo apelido de italiano nas planilhas da construtora.
A defesa de Vaccari disse que ele jamais pediu ou recebeu pagamentos ilícitos.
O PT não quis se pronunciar.
A Marinha informou que desconhece qualquer irregularidade envolvendo o programa de submarinos e que também desconhece o “almirante Braga” citado na delação.