O desembargador Ivan Athié, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF2), determinou a soltura do ex-presidente Michel Temer (MDB) e dos demais presos da Operação Descontaminação, desdobramento da Lava Jato do Rio. Foram beneficiados o ex-ministro Moreira Franco e o coronel Lima, apontado como operador do emedebista em supostos esquemas de corrupção. Leia a íntegra do HC.
Em sua decisão, Athié diz que não é contra a Lava Jato, “ao contrário, também quero ver nosso país livre da corrupção que o assola. Todavia, sem observância das garantias constitucionais, asseguradas a todos, inclusive aos que a renegam aos outros, com violação de regras não há legitimidade no combate a essa praga”.
O desembargador criticou a determinação da prisão assinada pelo juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava Jato no Rio, uma vez que não se enquadram nos requisitos de prisão preventiva. “Mesmo que se admita existirem indícios que podem incriminar os envolvidos, não servem para justificar prisão preventiva, no caso, eis que, além de serem antigos, não está demonstrado que os pacientes atentam contra a ordem pública, que estariam ocultando provas, que estariam embaraçando, ou tentando embaraçar eventual, e até agora inexistente instrução criminal.”
“Com a devida vênia, mais uma vez rogada, a decisão não se sustenta, em face da ausência de contemporaneidade dos fatos”, escreve o magistrado. “Há, todavia, outra circunstância em relação a Michel Miguel Elias Temer Lulia e Wellington Moreira Franco, a não justificar as prisões, e que repercute aos demais pacientes. É a de não mais ocuparem cargo público, sob o qual teriam praticados os ilícitos. Assim, o motivo principal da decisão atacada – cessar a atividade ilícita – simplesmente não existe”, completou.
Segundo Athié, o que se tem ”até o momento, são suposições de fatos antigos, apoiadas em afirmações do órgão acusatório, ao qual não se nega – tem feito um trabalho excepcional, elogiável, no combate à corrupção em nosso país.” Além disso, ao ressaltar que a decisão do juiz Marcelo Bretas não cumpre nenhum requisito para prisão provisória, afirmou que “não passa desapercebido exagero na narração, na decisão impugnada, eis que em apuração, no caso, apenas os relacionados com a Eletronuclear, e não outras investigações.”
O desembargador explicou ainda porque despachou nesta segunda no caso, sendo que havia enviado os pedidos de liberdade para julgamento pela 1ª Turma Especializada da Corte na quarta-feira. Athié afirmou que não conseguiu concluir a análise dos fatos na sexta-feira, mas que se debruçou no processo ao longo do fim de semana.
“Não tinha, assim, a menor condição de, naquela tarde, decidir com segurança. A única providência possível e adequada, a meu ver, foi a de instar o Juízo indigitado coator a dizer se mantinha sua decisão, em face das alegações feitas em nome dos pacientes em seus habeas-corpus, das quais deu-se-lhe conhecimento, e também fixar data-limite para resolver os pedidos, mediante a inclusão em pauta dos processos, na sessão de quarta-feira próxima”, afirmou.
“Neste último fim de semana, no recesso do lar, pude examinar com o cuidado devido as alegações, a decisão combatida, os documentos que fazem parte dos processos. E elaborar decisão ora escrita, e que no início do expediente da próxima segunda-feira, dia 25-3-2019, será assinada, a fim produza efeitos, e anexada eletronicamente aos referidos habeas-corpus. Ao examinar o caso,
verifiquei que não se justifica aguardar mais dois dias para decisão, ora proferida e ainda que provisória, eis que em questão a liberdade. Assim, os habeas-corpus que foram incluídos na pauta da próxima sessão, ficam dela retirados”.
Membro da 1ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que julga na 2ª instância os processos da Lava-Jato do Rio de Janeiro, Athié costuma ser voto vencido nos julgamentos dos casos da operação, sendo frequentemente considerado menos “punitivista” do que seus colegas de turma, os desembargadores Abel Pacheco e Paulo Espírito Santo.
O caso
A Descontaminação é resultado de elementos colhidos nas Operações Radioatividade, Pripyat e Irmandade deflagradas pela PF anteriormente. A Radioatividade avançou sobre contratos firmados com empresas e a Eletronuclear, que é uma subsidiária da Eletrobras. A Pripyat apura desvios de recursos nas obras da usina de Angra 3. A Irmandade também envolveu esquema de propinas e desvios nas obras de Angra 3.
Serão soltos: Maria Rita Fratezi, Carlos Alberto Costa, Carlos Alberto Costa Filho, Vanderlei Di Natale e Carlos Alberto Montenegro Gallo – este último, sem pedido de habeas corpus em seu nome.
Segundo o Ministério Público Federal, a empresa Argeplan do Coronel Lima participou do consórcio da AF Consult LTD, vencedor da licitação para a obra da Usina Nuclear de Angra 3, apenas para repassar valores ao ex-presidente Michel Temer, chefe da organização criminosa que visava desviar dinheiro de obras públicas.
Na decisão que determinou a prisão do ex-presidente, Bretas afirma que, por ora, não existe “nenhum indício de que os requeridos estariam recolhendo valores para financiamento de campanhas políticas. Pelo contrário, são apresentadas várias evidências de que foi instaurada uma gigantesca organização criminosa em nosso país, cujo único propósito é recolher parte dos valores pagos em contratos públicos e dividi-los entre os participantes do esquema”.
“A lavagem do dinheiro ilicitamente recebido na reforma do imóvel de Maristela Temer seria exemplo eloquente da utilização pessoal da propina recebida”, diz o juiz.
As evidências parecem demonstrar, afirma Bretas, “que a empresa ARGEPLAN apenas formalmente participou da execução do projeto Eletromecânico 1 de Angra 3, associando-se à finlandesa AF CONSULT tão somente para justificar o recebimento de valores milionários a serem pagos pela ELETRONUCLEAR”.
Essa empresa, aliás, que formalmente pertence ao requerido CORONEL LIMA, recolhe e repassa valores a benefício pessoal do requerido MICHEL TEMER, como por exemplo da obra na casa de sua filha MARISTELA”
“É importante que se tenha em mente que um dos representados, MICHEL TEMER, professor renomado de Direito e parlamentar muito honrado com várias eleições para a Câmara Federal, era à época o Vice-Presidente da República do Brasil. Recentemente, inclusive, ocupou a Presidência de nosso país. Daí o relevo que deve ser dado à análise de seu comportamento, pois diante de tamanha autoridade é igualmente elevada a sua responsabilidade”.