“Você poderia me dizer qual é o motivo da sua ausência aqui na UBS [Unidade Básica de Saúde]? É o seu dia de plantão.
Tem 16 pacientes na sua agenda e o senhor não está aqui atendendo”, questiona Daniel Guerra (PRB), novo prefeito de Caxias do Sul, cidade da serra gaúcha.
A ligação foi feita dentro de uma UBS, na última quinta-feira (2), para um médico, funcionário público, que não estava no trabalho. O momento foi filmado e publicado na página da prefeitura no Facebook. Em menos de 24 horas, o vídeo teve mais de 123 mil visualizações, 4.879 compartilhamentos e 1.100 comentários, a maioria de apoio ao prefeito.
“Seu salário está em dia. Então, que cumpra seu papel de servidor. Gostaria que o senhor ponderasse, em respeito à população”, disse o prefeito ao médico, antes de desligar o telefone. “Fui respeitoso, mas muito firme”.
O motivo da ausência do funcionário é uma paralisação de três dias convocada pelo Sindicato dos Médicos de Caxias do Sul. A nova gestão anunciou que os 342 médicos deveriam bater o ponto eletrônico a partir de 1º de março para comprovar o cumprimento da carga horária contratada. Os médicos discordam da medida e 85% deles aderiram à greve que se encerra nesta sexta-feira (3).
“Nós tínhamos um acordo desde 1998. O médico entra na unidade às 8h, atende 18 pacientes e depois se retira”, disse Marlonei dos Santos, presidente do sindicato.
Cada consulta dura, em média, 15 minutos. Muitas consultas duram apenas cinco minutos, diz Santos, como nos casos de renovação de receita médica. Isso significa que um médico contratado para trabalhar 4 horas por dia (20h semanais) acaba trabalhando duas horas. O salário para 20 horas semanais é de R$ 5.696,29. Há contratos de 35 horas semanais e também de 12 horas semanais.
Como os médicos não querem bater ponto e não aceitam cumprir o horário, a prefeitura ofereceu uma diminuição na carga horária mediante redução do salário. Os médicos rejeitam a proposta e nenhum compareceu à reunião. O sindicato pede um aumento de R$ 2.000 para que os médicos batam o ponto.
“Não sou político, sou gestor. Como tal fui ‘contratado’ pela população. Cumprir carga horária e bater o seu ponto é algo normal para todos os trabalhadores”, disse Guerra.
O prefeito fez uma seleção para escolher os funcionários em cargos de confiança (ou comissão), o chamados CCs com base no currículo profissional.
Guerra venceu a eleição de outubro de 2016 com 62,79% dos votos válidos, ante os 37,21% de Edson Néspolo (PDT), candidato apoiado pelo governadorgaúcho, José Ivo Sartori (PMDB), e 21 partidos.
TOLERÂNCIA ZERO
O Ministério Público já havia orientado a prefeitura, na gestão passada, sobre a necessidade do ponto eletrônico para os médicos, instalados há anos. Em 2011, os médicos fizeram uma greve de oito meses.
O prefeito se disse surpreso com a postura dos médicos porque nenhum deles é obrigado a trabalhar no setor público e atender pelo SUS.
“É uma opção. A pessoa se inscreve no concurso. Pressupõe-se que ela lê o edital e por isso sabe a carga horária e o valor da remuneração”, afirmou o prefeito.
Além disso, a prefeitura considera a greve ilegal por dois motivos: não teria sido avisada com 72 horas de antecedência, como prevê a lei, e o sindicato que representa a categoria é o Sindiserv, dos servidores municipais.
O sindicato dos médicos alega que notificou a prefeitura sobre a greve e que a Justiça considerou, em decisão anterior, que o órgão é o representante legal da categoria.
A Matéria é da Folha