E o tal Estado de Direito? Alguém o viu por aí? – Marcelo Vasconcelo

Nos últimos tempos, a temperatura no debate político tem se elevado de forma assustadora e perigosa, no seio social no Brasil. Quando o assunto é política, ignora-se o teor sacramental do direito, sem o qual não há as garantias individuais do cidadão previstas na constituição federal promulgada em 1988, seja ele um simples eleitor ou um representante do povo eleito pelo sufrágio universal. De outro norte, quando se fala em direito, ignora-se as normas das leis vigentes e se dá atenção ao indivíduo julgado (quem é ele) e não o que foi violado.

Nossa suprema corte de justiça está diariamente nas páginas de jornais, na seção sobre política e não sobre direito e justiça, o que é muito ruim para a imagem  da credibilidade que o poder judiciário precisa ter junto à opinião pública brasileira e estrangeira.

O direito brasileiro parece estar se desfazendo aos poucos a cada ato autoritário da mais alta corte de justiça do nosso país, causando espanto até em membro do próprio tribunal que já se aposentou por conta da idade. O caso mais escandaloso dos últimos tempos tem sido protagonizado pelo STF (Supremo Tribunal Federal) contra um deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro (Daniel Silveira).

O deputado federal citado teve prisão realizada em 16/2/2021 em suposto flagrante delito por crime declarado como inafiançável. A estranha prisão foi, mais estranhamente ainda,  aprovada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) e mantida pela acovardada casa de leis, Câmara dos Deputados Federais.

Este caso desencadeou uma série de questionamentos sobre a forma como foi conduzida a prisão e a persecução penal do caso, tendo em vista que o detido é deputado federal e tem imunidade parlamentar que (como diz a própria constituição federal do Brasil ) não poderia ser preso por quaisquer palavras opiniões ou votos enquanto estivesse investido do seu mandato popular. Vejamos o que diz o texto da maior norma do nosso direito pátrio:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)

O texto da constituição federal do Brasil é bem didático e de interpretação literal, não havendo necessidade de qualquer esforço retórico para distorcer o que nele está escrito. O que está ocorrendo no Brasil, ultimamente, é um tipo de distorção do significado das normas de acordo com quem está sendo julgado, isso fere de morte o Estado de Direito que tanto dizem defender.

Embora não concorde com as palavras proferidas pelo Deputado Daniel Silveira, no vídeo que gravou em fevereiro de 2021, no qual xingava os ministros do STF e falava que um deles merecia apanhar com um gato morto até o gato miar, uma expressão à brasileira para dizer que alguém merece ser muito castigado, acredito como comentarista  que a prisão e condenação do deputado tenham sido exageradas por demais.

Primeiro porque a prisão em suposto flagrante já não encontra apoio na lei brasileira, uma vez que uma gravação de vídeo na internet não caracteriza prática permanente do delito imputado, depois porque, mesmo que fosse responsabilizado por suas palavras e opiniões, (coisa que a própria constituição o protege como parlamentar) ele deveria ter sido investigado, processado, julgado e somente depois, com uma condenação transitada em julgado (quando não há mais como recorrer) aí sim, ele poderia ser preso definitivamente, embora possa ser recolhido à prisão após sentença de primeiro grau com o processo ainda em curso, a depender do caso.

Para agravar mais do que o próprio ato do parlamentar o fez, a PGR (Procuradoria Geral da República) e posteriormente o relator (que apresenta o caso à corte), resolveram enquadrá-lo em crimes previstos na lei de segurança nacional, acusando-o de atentar contra a democracia brasileira por meio de sua fala. Com isso, Daniel Silveira passou a uma situação como se já estivesse condenado, mesmo que sequer tivesse uma investigação ou processo julgado.

O que tem preocupado o mundo jurídico brasileiro nos últimos tempos é o avanço de decisões obscuras e questionáveis da mais alta corte de justiça do Brasil, ao passo que se coloca em muitos casos como vítima, acusador e julgador, deixando a comunidade jurídica e civil com verdadeiro medo de exercer seu direito de liberdade de expressão constitucional. A esse respeito o desembargador do Tribunal Regional Federal da 2° Região, William Douglas, manifestou sua completa indignação com a forma exagerada que o tribunal está agindo nos últimos tempos [link].

Não concordo com o que foi dito pelo deputado, creio que poderia se manifestar de outra forma que não aquela por ele usada no vídeo, porém, o direito brasileiro não pode soltar criminosos do “colarinho branco” (expressão usada pra se referir a políticos corruptos) enquanto prende um deputado federal legitimamente eleito e protegido pela constituição federal brasileira.

Os possíveis crimes derivados da opinião do deputado deveriam ter sido investigados, processados e julgados antes de estabelecer sua prisão, pois há um grande princípio no nosso sistema de leis que é o da presunção de inocência e não de culpa antes de ser julgado.

Este caso tem acirrado o conflito entre grandes instituições do Estado brasileiro, posto que de um lado está o poder judiciário, avançando além das fronteiras do próprio direito e de outro lado o poder Executivo, cujo mandatário não aceita a postura exagerada do órgão máximo do poder judiciário (STF). O direito e a política estão em estado de conflito permanente nos últimos anos e parece não haver um fim, pelo menos até outubro, quando haverá eleições presidenciais no Brasil.

 Deixo aos leitores o link com resumo da condenação do parlamentar, segundo o entendimento do STF, como forma de demonstrar os dois lados de entendimento sobre o caso aqui abordado.

Se eu for preso por esta opinião, já deixo avisado que não levem cigarro no dia da visita, pois não fumo. Apenas digam que o juízo que me julgou não era o foro competente, talvez isso dê certo…

 

 

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